Novo blogue.
Amigos, vou entrar num turbilhão louco e vai ficar difícil postar. Abri um novo blogue: Diário de Viagem. Acessem. Abraços.
Amigos, vou entrar num turbilhão louco e vai ficar difícil postar. Abri um novo blogue: Diário de Viagem. Acessem. Abraços.
- Dói, não tá cicatrizado ainda. Precisa cauterizar.
- São bons tempos para mudanças.
- Não são. Estou enferma. Não vê?
- Não. não vejo. Onde está?
- Aqui, em minha pele, minha circulação.
- Mostre-me isso melhor.
- Mas está aqui, não está vendo?!
- Isso não é nada. Por que fez isso?
- Estava doendo.
- O que estava doendo?
- Você sabe, você que fez.
- Sei de nada. Pare de circunlóquios. Fale o que acontece.
- Acontece que você me machucou, e eu aprendi em um programa médico de TV que quando há uma dor no corpo, outra dor mais intensa, mais profunda, em outra parte do corpo, faz com que a primeira dor cesse.
- Hã... e aí quis cessar qual primeira dor?
- A sua primeira dor.
- Mas eu não lhe bati, nem machuquei. Fiz nada contra você.
- Pare com isso. Você sabe que fez.
- Vou pegar algum remédio.
- Só tem um remédio.
- Só mesmo, mercúrio-cromo é o melhor.
- Atenção.
- O que?
- Olhe para mim. Pense comigo para mim. Fale comigo. Preocupe-se com minhas coisas também, pelo menos uma quarta parte do tanto que eu me preocupo com as suas.
- Ah, desculpe criança. Mas você tem que entender como andam as coisas.
- E você tem que me incluir nessas coisas.
- São coisas desagradáveis. Não quero mistura-la.
- Posso faze-las agradáveis para você, meu bem.
Victor abaixa a cabeça e dorme. Raquel pensa em segredos mofados pelo tempo. Devia ter contado antes. Devia ter se imposto. Devia ter tido o filho daquele homem que dorme depois dos coitos. Pelo menos assim ela sentiria que sempre haveria um pedaço dele consigo. Saído de dentro dela. Pedaço misturado deles. Mais importante, por ser dele.
Ps: Iniciei conto novo no Tratado de Desobediência : Hotel Danúbio. Não sei se vou conseguir terminar. Os dias descomprometidos e de acesso livre acabaram. Mas está lá.
Até cinema já estão amontoando em carrinhos de compras de supermercado, como se fosse algo assim, e isso é altamente pernicioso. Atenção gente 'civilizada'. : "Promoção Yahoo! Batman Begins 2ª fase: 1 ano de cinema grátis!"
Amigo Dewizqe, não sei se já conhece este cara: Mão Branca, mas queira fazer o favor de conhecer. Creio que vai gostar.
Cecília Giannetti me fez compreender a verdade do coito (ato físico em si) pelo prisma feminino. Nunca havia entendido como agora penso que passo a entender. - Trecho de um conto (dela) publicado em http://www.paralelos.org/out03/000061.html.
"A agonia do homem é cavar fora dele, enquanto a mulher cava ao mesmo tempo em que é cavada. Ela ajuda na sua escavação, o homem cava e ela precisa ir junto ao próprio fundo. Ele revela a anatomia interna que ela imagina ter, um pintor que reproduz paisagens sonhadas em segredo, aparelho de ultra-sonografia extremamente anatômico que não mostra a paisagem lunar feminina em uma tela de computador vigiada por médico. Mas provoca reações e mapeia regiões de sentidos, impossíveis de serem captadas por outra máquina".
A verdade dos fotologues por Pedro Acosta é binária, concisa e hilária. Esse sujeito tem me rendido divertidíssimas conversas nas madrugadas insones da rede.
"smile like you mean it (but don't!) diz:
hahahaha. é só que existem dois grupos de flogs. os comerciais e os alternativos. e os comerciais são uma tentativa de ostentação por meios convencionais: "estou feliz! eu tenho dinheiro! eu tenho namorado! eu tenho festas" enquanto os alternativos gritam "eu penso! olha, só eu entendo o que estou escrevendo aqui!" :=)"
- É só um filme bobo.
- Não, não é um filme bobo.
- Pare de chorar, é sim; é só mais um filme bobo.
- Que filme bobo o que, é lindo, faz diferença na vida das pessoas, faz elas procurarem ver alguma beleza no mundo, faz elas agirem com beleza, portanto não é só mais um filme bobo; além do mais, me fez chorar.
- Que nada, você é um bobalhão que chora por qualquer filme.
- Sabe o quanto não sou, e você talvez seja a pessoa que mais saiba disso.
- Desculpa, mas tenho um conceito diferente de você.
- Em sua profundidade, você tem esse conceito de mim sim.
- Não importa meu interior, importa que você chora direto por filmes bobos.
- Choro sim, mas não por filmes bobos, e você há de convir que choro cada vez menos.
- Sim, pois os filmes estão cada vez melhores.
- Engano seu, os filmes estão cada vez mais bobos, dificilmente há um como esse de hoje, bonito.
- Besteira.
- Ela não sabe fazer amor sem amor, mas ele faz, ela se incomoda com isso; por vezes até diria que sofre, no íntimo de sua personalidade expressionista. Ela o quer diferente, sente como que se uma doença o acometesse, mas não, é apenas um complexo de Arlequim que logra sua realidade; então eles se refugiam no campo, longe de tudo e das mulheres, e morrem felizes, no ápice da felicidade, como em uma dança singela de gente do interior; pode-se dizer que eles foram o único casal que viveu feliz, pois morreram felizes, e isso é lindo.
- Você é bobo, deve ter gostado tanto assim só porque o mocinho faz um intertexto com O Édipo Rei; sei que adora O Édipo Rei.
- Gosto mesmo, mas não é só por isso. Confesso que fiquei feliz no momento que ela vai até a casa do engenheiro, apenas para tentar fazer amor sem amor, e acaba pegando O Édipo Rei, aí o engenheiro toma-o de suas mãos e o joga ao chão, como se nada fosse, como se fosse apenas um compêndio descabido. Ademais, ela é linda.
- Bobo, bobo, bobo.
- Não sou bobo, apenas contemplo coisas que fazem diferença na vida das pessoas; isso me fez diferença, e deve fazer para muitos.
Esses dias, fui com minha avó e minha bisavó assistir a um espetáculo musical de homenagem ao Pixinguinha, aqui mesmo, na cidade azul pé-no-saco. Era aquele tipo de show ‘música brasileira’ que homenageia tudo e todos, músicos cantam de tudo e de todos e não se cansam de louvar os defuntos. Nada contra, mas é que isso um dia cansa. Em meio a uma homenagem para Carmen Miranda (sei lá se é com N ou M), minha bisavó disse que achava que fazia mais de cinqüenta anos que ela tinha morrido, pois tinha ido ao velório, e tinha conhecido a irmã dela, eram amigas. Eu disse: poxa vó, e você nunca me contou isso. E ela: você nunca perguntou, oras.
E assim vivem-se os dias aqui na casa louca da Nadir, na cidade azul pé-no-saco, ouvindo estórias de bêbados carregados como couros velhos, excursões de barco que são arruinadas por enchentes repentinas, velhos matreiros e gananciosos do Mato Grosso que viveram nos anos 20, 30 e 40, se enfiando naquele matagal todo atrás de diamante. Gente que se curou com chá de palha seca, ou de água de bica de cabana. Sapos monstruosos – ela tem pavor de sapos -, chacinas em cabarés do interior. E a velhinha não se cansa de contar estórias.
A velhinha é uma vivente de talento mesmo, chegou aqui ontem e não me deixou sossegado, contou cada estória cabeluda, outras engraçadas, uma vida e tanto. Ela não se cansa de relatar mortes escalafobéticas, assassinatos por causa de garimpo de diamantes, acidentes bizarros.
Meu bisavô era comerciante de diamantes, vivia viajando dos garimpos do Mato Grosso pro Rio de Janeiro, a fim de vender por melhores preços suas preciosidades. Diz ela, que ganhou muito dinheiro com isso, tinham avião e tudo mais. Meu bisavô adorava cinema e teatro, teve um tempo que nem compensava mais tanto assim vender os diamantes no Rio, havia muita despesa com a viagem, e já havia compradores em Uberlândia - cidade mais próxima que o Rio - que pagavam quase tão bem quanto lá. Mesmo assim, meu bisavô insistia em suas viagens quinzenais ao Rio. Assim que chegava, fazia seus negócios no mesmo dia e passava outros três ou quatro perambulando pela Confeitaria Colombo, Teatro Municipal, Cinemas dos quais ela não se lembra o nome, e demais passeios. Ela – minha bisavó - nem sempre o acompanhava, mas quando não ia, meu bisavô contava-lhe tudo pormenorizado, inclusive resenhava oralmente as peças e os filmes que tinha visto. Minha bisavó era muito apaixonada por ele mesmo, relembra o passado com os olhos – já quase cegos – brilhando. E nunca prescinde de tecer copiosos elogios ao meu bisavô.
Homem ardiloso. Conta ela que certa vez, meu bisavô acabou fazendo um mau negócio, comprou por quarenta contos de réis um diamante que virou buzo. Diamante virar buzo era um diamante com algum defeito, e que a especulação de outros compradores queimava-lhe o preço. Meu bisavô, não notando o pequeno defeito, e estando desinteirado de informações sobre aquele diamante buzo, acabou pagando essa fortuna, valor que talvez ele até valesse mesmo, mas que nenhum outro comprador pagaria, simplesmente por já estar ‘queimado’, ou outro comprador já ter oferecido valor muito inferior. Quando se atinou do prejuízo que tomava, correu logo para amenizar os danos. Levou o diamante para ser lapidado no Rio, em um conhecido dele, e fez desse diamante dois anéis de brilhante. Um deles, em seu retorno ao Mato Grosso, foi vendido por trinta contos de réis para a mulher do sacana que tinha lhe passado o mesmo diamante, pois ele já estava feito em anel, bonito, trabalhado, valia esse preço, e ela não sabia que era o antigo diamante buzo. O outro anel de brilhante – metade do antigo diamante buzo - foi apostado em uma eleição para prefeito na cidadezinha onde viviam – Tesouro -, em troca de um caminhão de fumo. Meu bisavô ganhou a aposta e levou o caminhão de fumo para seu bolicho (bolicho era tipo mercearia que vendia de tudo; meu bisavô para diversificar a sua economia, tinha de tudo, inclusive um bolicho). Conta minha bisavó, que esse fumo ganho na eleição durou por uns dois anos no bolicho, tamanho era a quantidade de fumo. Conta também, as ‘narquias’ – como ela diz – que meu tio-avô fazia para vender esse fumo a um tal de Antônio Piçarra. Seu Tonho Piçarra não gostava desse apelido, e onde ouvia alguém lhe chamar assim, distribuía toda a sorte de ofensas e xingamentos cabeludos. Meu tio-avô, ainda garoto e funcionário do bolicho, vendia-lhe fumo dizendo: “Chega mais seu Tonho, aqui tem fumo do bom e do melhor, e aqui a gente não desrespeita o senhor chamando de Tonho Piçarra. Esse povo não vê o quanto esse nome Tonho Piçarra é feio”. E assim lhe vendia o fumo, repetindo o tempo todo a ofensa. E seu Tonho Piçarra dizia: “Eu chego mesmo, pois só aqui que eu sou respeitado, nunca mais vou comprar noutros bolichos, o povo fica só troçando de mim. Esses menino do Seu Otávio é que são menino bom, respeitadô, educado”.
Feliz da vida, meu bisavô, em outra oportunidade, apostou novamente o anel de brilhante, do antigo diamante buzo, com um sujeito que tinha um casebre na ponta de uma rua. Ganhou novamente. O casebre ficou fechado por algum tempo, até que surgiu um senhor que vivia em uma fazendinha e queria uma casinha na cidade para poder se mudar e levar os filhos ao colégio, pois já estavam crescidos. Meu bisavô, então, trocou com ele o casebre por boa parte de sua terra. Nessa terra, meu avô – filho do meu bisavô – construiu um ranchinho onde ia passar os fins de semana com minha avó. Gostou tanto de lá, que acabaram se mudando. Depois de algum tempo, minha avó se cansou, meu avô conseguiu um emprego bom em uma cidade distante, mudaram-se então, e o ranchinho foi se deteriorando com o tempo. Esses dias, meu avô vendeu a terra do ranchinho, que era chamado de fazenda Água suja, ou fazenda Veneza – há divergências na família – e mandou-me alguma quantia, de presente. E hoje, eu ouvi toda essa estória, sem querer, da boca de oitenta e quatro anos da minha bisavó saudosista.
À noite, na rua, em carros velozes pela cidade;
Luz, ela é bela, me comove;
Ela é doce, me contento, e é assim,
Mas sempre me esqueço.
Num canteiro de avenida, eu a desejo, doce, dourada;
Eles só querem transar, mas Columbina me faz esquecer;
Eu só a quero para mim, assim, despida de carne, só ela,
Mas Columbina me faz pensar.
E o sol já ia alto, brigando e expulsando os boêmios da rua;
Era a sua vez de reinar, firme, majestoso, doído;
Substituindo os velhos melindres, do asfalto cinza.
A noite já dia tinha de continuar, mas preferiu findar;
E eu ébrio, de encantos por Columbina,
Não conseguia terminar, o último gole daquela menina.
Passos lassos, as ruas já apagadas, Sebastião só pensa na vitória, na vitória que é ser um perdedor. Ao menos tem um trunfo, oferecer belas palavras em troco de esmolas na calçada da praça suja.
Marco Aurélio gosta de moças que nunca lamberam um cacete, ele as ensina com lisura, é paciente, e elas aprendem, como boas alunas.
Ulisses viaja à toa pelo mundo, o pai é milionário. Levava uma vida de playboy, só academia, boates caras e muita bebida, bomba, e drogas. Ulisses precisava tomar um jeito, fôra preso diversas vezes. O pai meteu-lhe uma mochila nas costas, garantiu-lhe uma mesada de dois mil e quinhentos dólares, e mandou o filho correr o mundo. Brigão, bundão e idiota como é, não sei se vai dar assim tão certo.
Orlando constrói casas, é um pedreiro. Tudo que mais gosta de fazer é chegar em casa, às seis horas da tarde, todo suado, e comer sua mulher. Ela gosta também, diz que não, briga, mas no fim adora o corpo suado e sujo do Orlando pedreiro.
Nathália vive em academias, como Ulisses. É daquelas que sai de quinta a domingo, bebe bastante e dá pro primeiro mané que surge em sua frente. É uma vadia. Agora está aí, grávida. O pai quis deserdá-la. Mas a mãe não deixou. Coitado do menino, Nathália ainda não tomou jeito, e desde já vem dizendo que é só o menino desmamar pra ela voltar pra vida louca; a mãe que se vire com o garoto.
É senhores, tudo não passa de repetição.
Isabela quer Pedro;
Quer que Pedro a pegue em casa,
escondido dos pais, a leve para a noite,
Quer que a beije, a afague, e a encha de afeto,
aquele mesmo que se mostra incompleto.
E Pedro faz,
Pega-a com seu carro velho,
e a leva escondido de seus pais,
Pedro é ébrio, demais por ausente,
Isabela sonha, vê na noite a glória,
A glória do amor com Pedro,
O mesmo Pedro inconseqüente.
Por que te pego assim, Isabela?
Vou escondido de meus pais, Pedro.
Pedro bebe, Isabela não, Pedro não se importa.
A noite é agitada.
Outrora, Pedro tentou persuadir Isabela, em vão,
Que não quis, justificou não sendo arrazoado,
Disse que tinham amizade sólida, não podiam,
Não deviam, e não queria desmanchar até então;
Pedro nem tanto se importou,
Não fez tanta falta assim,
Logo acabou nos braços de outra uma,
Uma outra qualquer por aí.
Mas agora, Isabela esta de volta,
Lá dos confins do outro mundo,
Veio pra cá de onde mora,
Para a Pedro recobrar o passado,
Do amor, para ele, já atrasado.
Pedro não chorou, da outra vez,
foi normal;
Já Isabela, por demais meditou,
naquela outra vez,
Pois afinal,
Pedro era sim bom moço,
Moço bom-bonito-belo e elegante,
Por que não com Pedro ficar algum instante?
Agora já é noite agitada,
Pedro já vai alto,
em sua embriaguez,
Isabela sonha,
Acometida agora de certa sensatez,
Pedro também quer,
Mas não perde mais seu tempo.
Pedro sai da roda,
Diz que vai buscar uma bebida,
Isabela lamenta um pouco,
De Pedro a pequena escapulida.
Isabela então se prepara,
Para Pedro abordar,
Com sutilezas e sem máscaras,
O velho-amor lhe recobrar.
Pedro no caminho, desanda, desatina,
Encontra outra menina,
Com jeito de bailarina, e lábios de nectarina;
É essa a Setembrina,
Que lhe roga um gole da pinga,
Daquela velha dolorida,
E um pouco embrutecida.
Pedro não se importa,
pois alto mesmo já ia,
Depois a moça suspira,
Dizendo que não se satisfaz,
Talvez um beijo lilás,
Ou quem sabe um abraço mordaz.
Pedro não se surpreende,
Pois já estava mesmo,
Era longe demais.
Um beijo furtado não é nada.
Para a agonia de Isabela,
É tudo e algo mais.
Para o deleite de Setembrina,
É só mais um beijo que se faz.
O que Pedro não sabe,
É a dor da Isabela menina.
Pedro se faz mole,
Um bobo-bobão inerte;
Setembrina lhe pega pelos cabelos,
E Isabela se rói pelos cotovelos.
Pedro nada sente,
Só pudores de Isabela,
que faz como que nada fosse,
assim tão importante para ela.
Setembrina é desleixada,
Vil, infame e ocre,
Como a velha água-doce.
Pedro se arrepende,
Do tempo perdido com Setembrina.
E o que ele ainda não sabe,
É dos ciúmes da Isabela menina.
Isabela disfarça as lágrimas,
O resto da noite é tenso,
Pedro não entende,
Mas mesmo assim lhe cede seu lenço;
Pedro leva-a para casa,
escondido de seus pais,
Isabela adormece,
E então a mágoa se perfaz.
Triste pela noite,
A mão no coração,
Triste por Pedro,
Triste pela vida,
E pela fuga em vão.
E Pedro não entende,
Vai embora carente,
Pensa em Isabela,
Vislumbra a baboseira já póstuma,
Podia ter sido indulgente.
Isabela inclina suas lágrimas doces,
De dama com intenções nubentes,
Desfalecidas pela maldade,
De Setembrinas impertinentes.
Pedro de seu leito, já sóbrio,
Responde-lhe com lágrimas ternas,
Lágrimas de algodão,
Lágrimas tardiamente condescendentes.
Pedro se vê só e vazio,
Na multidão de rostos indolentes,
Que configuram suas mais altas orgias,
Dionisíacas, exaltadas e incongruentes.
Pedro agora dorme,
Isabela também,
Talvez o mundo já não mais possa,
Deleitar esse casal inocente.
Tiago Muzulon.
Série: Escritos de guardanapo.
Uma noite quente, um pensamento agonizante sobre Wittgenstein e sua explicação para o valor dos conceitos, das palavras. Puxa, ele me fez mal, as palavras perdem o sentido, vou ter de reformula-lo, talvez criar um novo. Preciso sair de casa o mais rápido possível, me dou conta disso.
Vou para o bar do Seu Oswaldo, o velho mesmo de sempre, peço uma cerveja, uma menina estranhamente obesa senta-se ao meu lado, parecia querer falar com Seu Oswaldo, como eu faço, mas logo passa a dirigir-se a mim.
Há, também, um casal lindo jogando sinuca em uma mesa ao lado do balcão-de-bar, daqueles. Uma moça de nariz aquilino, pele delgada e branca, flertando com o pálido excessivo, cabelos longos, lisos e dourados. O rapaz é branco também, tem rosto jovial. A barba levemente esverdeada, mal-feita e rala, revela com finura sua mancebia. São belos, e o que fazem ali naquele boteco, não sei. Pergunto a seu Oswaldo sobre eles. Ele me confidencia que freqüentam há muito tempo seu bar, desde quando era na rua de cima. Diz que os dois são formados em direito, têm um escritório de advocacia no centro da cidade, e que andaram uns tempos separados, mas agora estavam casados.
Deveras fico um tanto espantado, pareciam tão jovens. Seu Oswaldo sabia de muita coisa mesmo. São tão harmoniosos que chego a imaginar algo com eles: eu e eles, uma noite dionisíaca, vinho, boa música, eu e eles. Idealizo como uma coroação, nada me apetece tanto quanto esta idéia; salvaria meus dias na cidade azul-pé-no-saco.
- Olha só, tá tendo um show de rock numa chácara na saída da cidade. Tá sabendo? – A menina obesa corta meu absorto gesto de observação do casal, com tirania estridente.
- Não, não to sabendo. Você não vai?
- Não tenho como ir. Eu e minha amiga – aponta para uma menina sentada em uma mesa com vários meninos – estamos super afins de ir.
- Como que é lá, como vai ser? – Questiono interessado.
- Cinco reais para entrar, vai ter várias bandas: blues, rock, punk rock, e até uma banda de blackmetal no fim da noite.
- Puxa, que coisa hem. Vou pensar.
Jamais imaginei uma miscelânea de bizarrices acontecendo aqui, na cidade azul-pé-no-saco. Não gosto de blackmetal, nem de punk rock, nem de coisa alguma, pra dizer a verdade, mas me seria um grande alento ver pessoas ‘piores’ do que eu, pessoas que certamente haviam de estar em um show de ‘blackmetal’. Pessoas engraçadas e confusas no turbilhão cinematográfico da vida.
- E aí Seu Oswaldo, que o senhor acha disso? Será que vai ser bom? – Invoco, humildemente, a sabedoria de alguém mais experiente.
- Olha rapaz, lá é o seguinte, vai ta cheio de nego malandro, aqueles cabeludos feios, toscos, é meio perigoso, eu não sei não, tenho um pouco de receio, parece que eles comem gente, e é esse tipo de pessoa que vai ter lá. Bom, mas vai sim, vai ter menininhas de fricote também, sabe como é: sempre tem. E acho que você se diverte, é só tomar cuidado e não esbarrar em ninguém.
- É, acho que vou mesmo. A cerveja aqui tá boa, o papo também, mas vou ver coisa estranha, vai ser divertido, no mínimo. Até outro dia. Mas, talvez eu volte aqui ainda hoje, se estiver aberto.
- Então ta bom, se cuida.
Eu, a estranha obesa, e sua amiga esdrúxula – pra não dizer estranha também – partimos para a tal chácara.
- Mas então, tenho um problema: vou ter que beber com vocês; só tenho dez, já gastei dois e cinqüenta no Seu Oswaldo, e a entrada ainda é cinco. – Revelo.
- Beleza, não esquenta.
Sim, as meninas são parceiras, penso auspicioso.
Chegamos ao inferno, uma banda até simpática toca músicas de sacanagem engraçadas. A cerveja está gelada e as meninas estranhas me proporcionam-nas sem mesquinharia. Há sim menininhas bizarrinhas, de fricote, e de todo tipo: engraçadas, fúnebres, suicidas, coloridas. Confesso que fico assombrado com a cena do mal que existe na cidade azul-pé-no-saco, dou boas risadas, e me divirto.
Gente caindo e vomitando no banheiro, gente fumando maconha em rodas, gente batendo cabeça, gente mostrando marcas nos pulsos, é isso.
Enfim, começa a banda do mal; há um telão mostrando cenas sanguinolentas e imagens deturpadas; e não consigo me desligar de um único pensamento: “a gente não vive a vida como é para ela ser vivida”. Droga, mas como é então que a vida deve ser vivida? Se tudo que a gente vive, a gente não escolhe. Qual é o jeito certo de viver a vida? Não consigo me abster destes pensamentos. Tinha visto uma menina pobre dizer isso na TV, e ali, no meio daquela celeuma, daquela música galimatias, obsessiva, que invoca o demônio, eu só consigo pensar nos dizeres da menina pobre da televisão.
Quando me situo novamente, tenho um impulso arbitrário de ir embora, as meninas estranhas não querem, digo que vou, querendo elas ou não, e que se quiserem, podem sim vir comigo. Esses impulsos são aqueles que metem um sujeito em várias encrencas, dependendo obrigatoriamente da circunstância, e não da lucidez e/ou estado de serenidade do tal sujeito. As meninas cedem por fim, e me acompanham. Uma delas, a amiga da obesa estranha, me traz um sujeito alcunhado de ‘punk’, pergunta se posso dar carona a ele. Digo que sim, contanto que fosse apenas até o bar do Seu Oswaldo. Sim, sou cuzão mesmo.
No bar do Seu Oswaldo, encontro conhecidas de outra noite, lá do bar mesmo. Há uma mulher de uns trinta anos entre elas, senta-se ao meu lado, começa a me fazer perguntas indiscretas. Sinto-me constrangido, peço licença, levanto e sento no balcão-de-bar junto de Seu Oswaldo, novamente. Converso com ele, que me pergunta sobre o show ‘trash’; ri de mim, rio também e digo que foi engraçado, divertido. Ele é camarada, me oferece uma cerveja de cortesia dizendo entender o porque de eu ter saído da mesa das ‘meninas’, ou piranhas famintas, como ele mesmo diria.
Termino a cerveja, levanto e volto até a mesa das piranhas famintas, apenas por gentileza, falo qualquer bobeira com elas sobre Beatles, não sei muito, falo tudo o que sei. O tal do ‘punk’ se chama Douglas, veio de uma cidade distante, nos confins do estado, e pequena, muito menor do que a cidade azul-pé-no-saco. Douglas diz que está feliz por estar ali conosco, ele é conciso, sabe dizer somente o que é preciso. Digo que fico feliz, também, por ele se sentir à vontade. Logo, a amiga estranha da obesa o beija, algo interminável, as outras riem banalizando o gesto. A moça dos trinta anos põe suas mãos sujas em minha coxa esquerda, olho atônito para ela que me sorri com devassidão. Concluo que já estou na mesa, por gentileza, há tempo demais. Já é tarde. Peço licença, despeço-me de todos, e vou embora.
No caminho, a cabeça começa a ribombar, bebi demais, penso. Mas também com a cerveja gratuita e gelada, não tinha como controlar, me justifico. Chego a pensar na comicidade de como manipulamos nossas vidas, sempre nos mutilando, nos afligindo, flertando com situações embaraçosas, e muitas vezes desnecessárias. É um grande espetáculo tragicômico, e sou capaz de pensar nisso, não sei se é bom ou ruim, ao passo que as coisas boas ou ruins deixaram de me existir. O desfecho é trágico e o enredo cômico. É disso que gosto. Aproveito o passeio filosofal pelas ruas da cidade azul-pé-no-saco – e não vou me cansar de repetir isso – para testar meu carro velho, tinha acabado de sair de uma longa semana na oficina. A droga do carro velho nunca ficava bom, todo mês passava uma semana na oficina, e nunca ficava bom. As ruas da cidade azul-pé-no-saco assumem um aspecto grave durante a madrugada. As aglomerações de pessoas se focalizam em pouquíssimos lugares, deixando todo o resto da cidade vazio, todo o resto para mim, como se fosse um presente divino, ou melhor: apenas uma concessão. Deuses não presenteiam mortais. Passeio sem acelerar, penso naquilo tudo, penso que tudo está para se acabar, penso que as coisas são assim mesmo, penso que talvez vivo a vida como ela deveria ser vivida, e isso me faz bem. Vou para casa, e durmo como há muito não dormia.
Em busca da terra perdida
Em busca da terra perdida, eu saio, naufrago, esqueço para trás minhas quimeras coloridas, quero a perfeição, a técnica inaudita, a harmonia desconcertante. Não consigo, não atinjo, isso não é coisa assim fácil, ou melhor: atingível – diga-se de passagem. No meio do caminho encontro um carneiro, na verdade trombo com ele; maldito carneiro embusteiro, me atrasa, me atrapalha, ensaia me enganar com seus ardis sutis, porém me esclarece. Diz coisas belas sobre os montes longínquos, me conta algo terno sobre as crianças saltitantes do inferno feliz, não posso crer tanto assim, o carneiro deveras me parecia embusteiro.
Sigo minha peregrinação tresloucada em busca do panteão dos deuses estetas - prescindo do safado do carneiro. Não sei onde fica, não entendo as placas, me perco em meio aos inúmeros atalhos que só me atacam com suas garras da confusão. Surge Setembrina, minha messias, redentora, sublime, pertinente, me indica o caminho das pedras, objeto: “este caminho é muito suntuoso, falho, difícil, assombroso”, ela me adverte, admoesta de que o caminho mais difícil leva à mais elevada apoteose, e assim tendo dito, se dissipa junto com as brumas montanhescas.
Não sei a verdade, o caminho das pedras não me mostra trilha, seqüência, caminho sequer a ser seguido; por outro lado: vejo o descer da montanha, não, posso então seguir o leito do córrego de águas agitadas, ou quiçá parar e esperar que o frio congele minhas aspirações. Hesito, oscilo, tudo se apresenta turvo em um décimo de segundo, supero, decido. Por fim, encaro o impossível, olho sisudo para o limbo em forma de pedras afiadas e intransponíveis, que me amedrontam por preceito rigoroso, natural; sim, vou ter com elas alguma conversa, algum tempo, ou alguma tentativa; o espírito buliçoso, que em mim faz sua morada, esperneia, grita, se debate; ele jamais permitiria que eu cometesse algo tão medíocre quanto esperar a neve me congelar; tampouco permitiria que eu voltasse para levar a vida atada, cômoda, e insustentável, que me espreita lá da cidade azul; com as imposições do espírito irrequieto, só me resta enfrentar o caos assustador dos pedregulhos, sigo em frente, com a coragem juvenil dos mártires.
Tiago Muzulon.
- Maldito sóbrio ardiloso! - exclamou o diabo.
- Pra que tanta baderna? - retrucou o ímpio. - É simples sim, basta a gente conversar um pouco, talvez alguma coisa vá certo.
- Demônios, sacrílegos, impudicos, blasfemos, vão todos para longe! – O Padre.
- Eita, não é que o padreco chegou pro fusuê. – O Ímpio.
- Pode vir padreco, mas tire essa cruz maldita, me faz mal – O Diabo.
- Concordo, mas é mais uma questão racional do que sensitiva. – O Ateu.
- Eu só preciso de dinheiro pra comer, não quero saber desses perrengues todos de vocês. – O moleque de rua.
- Cala-te, tu estás enfermo com a presença deste truculento ser rastejante das trevas. Vá-te embora daqui. – O padre.
- Ó padre querido, o demônio te infliges?! – Madame sacristã.
- Esse padreco é veado, precisa é de um cacete. – O ímpio.
- Como ousas profanar minha pessoa assim, ó maldito ímpio!? – O Padre.
- Olhe só Sr. Padre, acho melhor o senhor parar com essa conversa ‘épica’, sua igreja já não domina mais o mundo, vocês já não são coisa alguma, e estamos cansados desse seu tom empolado, que saco. – O Ateu.
- Pare de falar assim com o padre. “Meu padre”, pensou. – A madame sacristã.
- Hahahahahaha, eu tenho poderes, sei que existe um ‘affair’ entre nosso reverendíssimo padre e a putona da sacristã. – O Diabo.
- Como Ousas?! Voltes já para tua morada abjeta! – O Padre.
- Ele não vai antes de nos contar a verdade. – O Ateu.
- Não há verdade. – A madame sacristã.
- Há sim senhora, você trai seu marido com esse padreco aí, e acha que tem salvação?! – O Ímpio.
E tudo se sucede semanalmente nas missas dominicais da cidade azul.